Um cordel de Abidias Martins
"Tem de tudo no
Busão" é uma literatura de cordel, da autoria de Abidias Martins, que
retrata a realidade diária de todos aqueles que usam o transporte público de
Maceió.
Durante o enredo são relatadas histórias
reais de pessoas que sobem e descem dos coletivos, seja para trabalhar, estudar
ou mesmo para o lazer. Lotação, cansaço, aperto, brigas e muitas outras
situações ganham um tom poético com uma pitada de bom humor.
Boa noite,
minha gente
Seguro neste papel
Para contar sem demora
Numa história de cordel
Os fatos do dia a dia
Transformando em poesia
Uma realidade cruel
Peço aos amigos jornalistas
Que prestem muita atenção
RP já vá pensando
Em alguma solução
Pra resolver um problema
O que escolhi por tema:
“TEM DE TUDO NO BUSÃO”
Quem é que nunca pegou
Um ônibus véio lotado?
Cheio de gente suada
Um ou outro engraçado
Preto, branco, pobre, rico
Um mais feio outro bonito
Fica tudo misturado
Existem algumas coisas
Que acontecem lá dentro
Que deixa a gente assustado
Porque a qualquer momento
Uma briga ou discussão
Xingamento ou palavrão
Deixa o busão barulhento
Umas sete da manhã
Aconteceu certo dia
Um homem no apertado
Encostou com a baiguia
No braço de uma mulher
Acredite se quiser
Começou a latumia
Se sentindo ofendida
A mulher pegou dizer:
O senhor não tem vergonha
Tá encostando, por quê?
Eu ainda sonolento
Meio lerdo, meio lento
Comecei a entender
Foi aí que o rapaz
Virou-se todo enraivado
Disse: a senhora me respeite
Eu tomo muito cuidado
Só que você está dizendo
Que eu encostei querendo?
Agora fui acusado!
Você vai ter que provar
Essa sua acusação
Me deixando encurralado
Aqui dentro do busão
Todo mundo vai pensar
Que eu quis aproveitar
Isso não aceito não.
Lhe digo, minha senhora
Sou homem trabalhador
Tenho esposa, tenho filho
Tenho história e valor...
Esse cabra falou tanto
Que eu chega vi o espanto
No rosto do cobrador
O cabra fez um escândalo
Que assustou todo mundo
Gritava, dava esparro
Que até o povo do fundo
Parou pra observar
O cabra se declarar:
Não sou nenhum vagabundo!
A mulher ficou calada
Em meio à situação
Certamente envergonhada
Por causa da discussão
E acredite, você
Não consegui entender
Quem é que tinha razão
Outro fato que é comum
E também interessante
É você se deparar
Com vendedor ambulante
Que apela mais do que tudo
Existe até gente mudo
Se você vê não se espante
Boa tarde, pessoal!...
Começa a saudação
Geralmente a pessoa
Conta uma situação
Que é pra emocionar
Comover e terminar
Com o dinheiro na mão
Alguns parecem artistas
Têm jeito de vendedor
Apresentam o produto
Com um carisma encantador
Que é difícil não comprar
Pra quem sabe apresentar
Tudo passa a ter valor
Agora tem tanta gente
Que chega desmotivado
Nem sabe o que está vendendo
Fala tudo enrolado
O povo acha até graça
Ou ele tomou cachaça
Ou pensa que é engraçado
Instituto Manásseis
Este nome é conhecido
São jovens que nesta vida
Buscam um novo sentido
Sobem e descem do busão
Com uma mochila na mão
Sempre fazendo um pedido
Me ajudem, minha gente
Que eu vim de outro estado
Perdi tudo em minha vida
Já fui um jovem drogado
Maconha, crack, loló
Cocaína, cola e pó
Já consumi um bocado
Eu não quero atrapalhar
A viagem de vocês
Me ajudem se puderem
Porque daqui ha um mês
Eu estou recuperado
Vou deixar de ser drogado
Pra trabalhar outra vez
É aí que o rapaz
Faz a distribuição
Para cada passageiro
Dá um produto na mão
Diz: É sem nenhum compromisso
Só segure que com isso
Você me dá atenção
O valor deste produto
É apenas dois reais
Mas aceito doação
Se você quiser dar mais
Jesus vai te abençoar
Sua vida transformar
E expulsar o satanás
Mas se você não puder
Não vou ficar chateado
O importante é a intenção
Mesmo sem ter ajudado
Eu vou passar recolhendo
E já vou agradecendo
Valeu e muito obrigado
Eu já ia me esquecendo
De deixar uma citação
Os que confiam no Senhor
São como os montes de Sião
Que não se abalam facilmente
Mas permanecem para sempre
Amados, paz e unção!
São tantas situações
Que a gente vê todo dia
Gente que passa do ponto
E depois faz baixaria
Grita: abra a porta motor
Reclama com o cobrador
Chega me dá agonia
Mas também tem muitas vezes
Que a culpa é do motorista
A pessoa dá com a mão
E o cabra vira a vista
O ônibus passa lotado
Você fica abestalhado
Do outro lado da pista
Dá uma raiva da gota
É um sufoco danado
Aperto, calor, barulho
Deixa a gente aperreado
O sangue chega até sobe
O quanto é ruim ser pobre
Eita vida de lascado
Basta ter um acidente
Que a coisa fica infernal
Já vi gente desmaiar
Vi outros passado mal
Tinha véia que pedia
Pra descer porque podia
Ir parar no hospital
E aquele povo chato
Que pensa que está sozinho
Leva uma caixa de som
Topa o volume todinho
Uma zuada da peste
Se quiser fazer um teste
Pegue o “Centro/Jacintinho
Se ao menos os camaradas
Soubessem escolher o som
Tipo Pablo do Arrocha
Eu ia achar até bom
Mas é reggae de mau gosto
Ou um funk muito escroto
E ainda em alto tom
Não é fácil pra ninguém
O problema é constante
Criança, homem, mulher
O velhinho e o cadeirante
Guerreiros sobreviventes
De um sistema indiferente
E altamente angustiante
A vida de motorista
E também de cobrador
Talvez seja a mais difícil
Nesta luta, meu senhor
Risco de ser assaltado
Ou mesmo até baleado
Por um ladrão amador
O certo é que o nosso povo
Apesar de tudo isso
Permanece trabalhando
Assumindo compromisso
Enquanto nada é feito
O problema é que o eleito
É sempre um governo omisso
“São Francisco” nos acuda
Pedimos por “Piedade”
O problema é “Real”
É muita dificuldade
“Macayó” mudou de nome
Só não acabou com a fome
De justiça e igualdade